APOLOGETAS DO TERROR EM TEMPOS DE VOTO
Por
Padre Gegê
(Pároco
da Santa Bernadete (RJ), membro do Núcleo Fé e Política Padre João Cribbin ,
mestre em Teologia sistemático-pastoral
PUC-RJ e doutorando em Ciência da
Religião PUC-SP)
A palavra apologia (no grego apologeistai),
no sentido amplo do termo, significa
“tomar a defesa de alguém ou algo”, o que no campo religioso implica na atividade de
defesa do patrimônio da fé ou crença. Com maior ou menor grau, pode-se dizer que
toda fé suscita um caminho de defesa por parte de seus adeptos, crentes ou
fiéis. O catolicismo no curso de sua longa história buscou (e ainda o faz) de
modos e formas variadas salvaguardar as verdades da fé na ordem do legitimo e
necessário “pudor”, característico de quem mexe com realidades sagradas. Frei
Clodovis Boff em Uma Igreja para o Novo Milênio (2003:10) ao tratar de uma
Igreja que vive do e no mistério sublinha a necessidade de uma “Igreja que
guarde o ‘pudor dos mistérios’.Que ‘não jogue suas pérolas aos porcos (Mt7,6)’”.E
essa atitude de defesa não somente é necessária quanto salutar. Mas também outras tradições religiosas
possuem seus mecanismos e estratégias de preservação daquilo que acreditam,
podendo chegar, por vezes, ao ideário compulsivo de “pureza” atrelado ao desejo
de se distinguir o mais verdadeiro e genuíno do mais sincrético, misturado ou
falso. Para a nossa breve reflexão, é suficiente afirmar o caráter positivo e,
até necessário, que todo adepto de uma tradição religiosa tem de defender e
salvaguardar o seu patrimônio material e imaterial. Trata-se, pois, da
exigência da defesa ciosa dos Tesouros Sagrados. Contudo, o caráter necessário
e positivo da apologia também pode abrir caminhos desastrosos e belicosos,
geradores de toda sorte de violência, intolerância e tirania. A história da
inquisição patrocinada pela Igreja católica é exemplo inconteste da faceta
monstruosa que pode emergir do desejo de se defender o patrimônio de fé. E essa
atividade torna-se mais perigosa e nociva quanto mais o sujeito religioso se
sente ou se auto proclama o “DONO DA VERDADE”.
Esse sentimento de superioridade do sujeito religioso é capaz de fazer
dos outros inimigos potenciais e dos declaradamente divergentes alvos
privilegiados das mais diferentes formas de ataques (palavras, escritos,
vídeos, imagens, postagens etc...); e tudo justificado pela DEFESA DA FÉ. E é
sob essa bandeira que religiosos são capazes das mais perversas investidas com
os aplausos da turba ou as “curtidas” irracionais dos seguidores do mundo virtual. Desse modo,
constrói-se a CULTURA DO TERROR E DA DESTRUIÇÃO, contrária a vida, a obra e ao sonho de Jesus Cristo. Afirma o papa
emérito Bento XVI em Luz do Mundo
(2011:71-72) “É evidente que o conceito
de verdade hoje suscita muita suspeita. É justo dizer que dela se tem abusado
muito. Em nome da verdade, atingiu-se a intolerância e se cometeram atrocidades
(...) Nós jamais possuímos a verdade; na melhor das hipóteses, ela é que nos
possui. Ninguém coloca em discussão o fato de que seja necessário usar de
prudência e atenção antes de reivindicar para si a verdade”. E também escreve o papa emérito que “a verdade não reina por meio da
violência” e que Jesus não defendeu “a verdade com legiões...”. Sublinha também Bento XVI: “A verdade há de ser procurada, encontrada
e expressa na ‘economia’ da caridade’!” Enfatiza, nesse horizonte, o
teólogo Mario de França Miranda em Aparecida,
a hora da America Latina (2006:56):
“O dialogo pressupõe uma consciência comum em seus interlocutores, a saber,
nenhum deles tem a posse plena da verdade”. E sublinha ainda: “Qualquer
motivação espúria destrói o diálogo, seja ela auto-afirmação, consciência de
superioridade, defesa da própria opinião, destruição do outro que ameaça por
ser diferente, aumento de prestigio e de poder”. E Dom Helder, o “bispo vermelho”, já
nos ensinou com a autoridade de um
APOLOGETA DA PAZ: “A única guerra legítima é
aquela que se faz contra o subdesenvolvimento e a miséria”. A propósito,
a causa dos pobres necessita de mais apologetas do que a Igreja. E como não
ver em Dom Helder Câmara um dos maiores APOLOGETAS DA VIDA E DA CAUSA DOS
POBRES em nosso continente. E nessa linha diz, corajosa e desconcertadamente, o
“bispo vermelho”, amante de Deus e dos Pobres: “Chega
de uma igreja que quer ser servida; que exige ser sempre a primeira...”. O papa
Francisco escreve sugestivamente em O
nome de Deus é misericórdia (2016:98): “ Durante uma assembléia do episcopado
italiano, um irmão bispo citou uma expressão extraída De Abraham de Santo Ambrósio: ‘Quando se trata de distribuir a
graça, Cristo está presente; quando se deve exercer o rigor, estão presentes
apenas os ministros mas Cristo está ausente”.
Sob o prisma cristão podemos dizer que APOLOGIA SEM BUSCA ESMERADA DA VERDADE E SEM ENGAJAMENTO COM A DEFESA
DA VIDA DOS VULNERABILIZADOS TANSFOMA-SE EM TIRANIA INSENSIVEL TRAVESTIDA DE
AMOR À IGREJA; É ESTRATÉGIA DIABÓLICA PARA DESTRUIR, COVARDEMENTE, O OUTRO. NÃO
HÁ APOLOGIA SADIA SEM CARIDADE. Salienta Bento XVI que “caridade na verdade é
um principio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja...”. A apologia, nesse registro, divorciada do amor
engajado se torna um atentado à “cultura da Misericórdia”. E adverte sapiencialmente
o papa Francisco: “Apenas os que
dialogam podem construir pontes e vínculos”. O Cardeal Walter Kasper em “A
Misericórdia: condição fundamental do Evangelho e chave da vida cristã” (2015:64)
escreve de forma emblemática: “Assim, Deus leva a cabo, desde o principio mesmo
da historia, uma ação em contraciclo com o mal, a perdição. A compaixão divina
é efetiva desde o principio. A compaixão é o modo como Deus Se opõe e resiste
ao mal, e se faz porta-voz dela. E não o faz com força e violência. Não se Põe
a atacar, sem mais; antes pelo contrario, movido pela sua compaixão, cria sem
cessar novos espaços de vida e bênção para o ser humano”. Mas, uma palavra
ainda é preciso dizer: É sempre necessário discernirmos no Espírito se
realmente estamos defendendo o Deus de Jesus ou os ídolos de nossas próprias projeções e interesses. Dom Pedro Casaldáliga adverte sabiamente em Nossa espiritualidade (2003:25): “Trata-se de saber se o Deus que
adoramos é realmente o Deus de Jesus ou um ídolo mascarado. E esta pergunta
abrange também a análise da função que a fé cristã desempenha na sociedade e na
historia. Porque, podendo parecer um Deus cristão no âmbito reduzido da
referencia bíblica ou do mundo pessoal, pode estar, de fato, exercendo funções
sociais de legitimação de práticas e estruturas, inteiramente contrárias ao
plano de Deus, ao Reino pregado por Jesus”.
No contexto do segundo turno do pleito eleitoral para prefeito do
município do Rio de Janeiro, verifica-se, sobretudo nas redes sociais, um número
significativo de sacerdotes católicos, em nome da defesa da fé, disseminando o
TERROR e, desse modo, produzindo mais pânico no contexto eleitoral do que
favorecendo à sociedade e, em particular aos fieis católicos, a exercitarem com devida serenidade o poder da inteligência que avalia e julga e
a vontade que decide, conforme os ditames da consciência. Exemplarmente, cito algumas
palavras de um sacerdote membro do
conselho da Canção Nova (SP) num contexto do segundo turno das eleições
presidenciais na disputa entre Dilma e Aécio. Esse caso é um bom exemplo para
entendermos o papel de alguns segmentos da Igreja no atual momento. Em sua homilia
inflamada e beligerante falando sobre o VOTO numa perspectiva apologética do terror, disse o sacerdote: “Eu me
encontro agitado. São muitos e-mails que eu tenho recebido. E a questão é essa:
ELEIÇÃO. Eu não posso deixar de falar também porque sou sacerdote da Igreja de
Nosso Senhor Jesus Cristo (...) nunca vi uma eleição tão agitada; por que de
tanta agitação? Porque os rumos da Nação Brasileira está prestes a mudar, e ela
poderá mudar para pior se neste segundo turno (eu vou falar com clareza) o PT
ganhar (...) O PT está querendo aprovar
leis onde o sacerdote não pode se pronunciar, não pode falar (...) Meu sacerdócio não é para os homens, é
pra Deus. Fui ordenado para Deus e não
para os homens (...). Eu estou com Bento
XVI, estou com a Igreja. Para o inferno eu não quero ir. Segundo turno está
aí.... Estou preocupado com o segundo turno, mas já saibam: no PT eu não voto!
E não voto em ninguém que esteja coligado ao PT. Não votei e não voto! (...).
Estou com os bispos que estão ligados à igreja de Nosso senhor Jesus Cristo; os
que não estão, eu não estou... Tô com Jesus!”
É de extrema gravidade evangélica ouvir um sacerdote dizer que
fora ordenado para Deus e não para os homens... Tal afirmação vai na linha
contraria ao pensamento de São Policarpo, por exemplo, que se compreendia trigo
de Cristo disposto a ser triturado para se tornar pão para os homens.E o
referido sacerdote ainda se coloca como porta-voz do divino acerca dos rumos
das eleições. Sintomático ainda é afirmar repetidas vezes que está com Bento
XVI. Fica a pergunta: E o papa Francisco? Enfatiza acertadamente o teólogo da
PUC-SP, João Decio Passos (2016:148-149): “O tempo da renovação da Igreja está
aberto e não adere a ela quem não quer ou quem é contra (...) A preservação da
instituição e da tradição é mais conveniente que a mudança e tende a impor-se
pela inércia ou pela resistência velada ou explicita”.
Mas, infelizmente, o citado sacerdote não está sozinho, por isso, esse
é só um caso dentre tantas outras narrativas nessa sinistra direção. Desse
modo, o posicionamento do referido sacerdote não deve se visto como algo
isolado ou situação estritamente de ordem pessoal. A plataforma evangelizadora
da Canção Nova, em particular, bem como a perspectiva pentecostal de Renovação Carismática
Católica (RCC), não obstante inúmeras contribuições que dão à vida eclesial,
também revelam crassos limites, atrofias e cisões no que diz respeito à relação
positiva ente fé e vida, religião e sociedade e espiritualidade e política. Em
muitas dioceses os clérigos, sobretudos os mais novos do segmento pentecostal carismático
manifestam, em grande medida um distanciamento ( e até aversão) à marcha da
Igreja pós Vaticanos II; sustentam com empáfia clerical uma
fé, intimista, personalística, moralista, exclusivista e beligerante. São clérigos
novos na idade, mas, paradoxalmente, velhacos no campo das idéias. Há forte
inclinação para estética e pouca responsabilidade engajada para com o destino do mundo. A perda de responsabilidade
no horizonte ético é, segundo Lévinas, violência – aniquilação do outro. É
fundamental, na acepção levinasiana, o encontro de meus olhos com os olhos dos outros;
e o rosto do outro acusa meu ego reclamando uma resposta na ordem da defesa e
do cuidado. São de grande importância,
nessa perspectiva, as palavras da teóloga Maria Clara Bingemer em Argila e o Espírito (2004:119) quando reflete
sobre idolatrias nocivas para a vida e para a fé, um tipo egolátrico de ser
religioso capaz de forjar ministros do tipo “absolutos incontestáveis. Escreve
a teóloga: “O culto à personalidade: que
cultua pessoas concretas, mesmo que sejam boas e beneméritas. A pessoa em
questão é despojada de sua humanidade real e convertida em um objeto de
consumo, cultuada como ídolo, consumida, e descartada quando já tiver sido
suficientemente sugada e dela não restar senão o bagaço. Outra pessoa então
substituirá o ídolo deposto em seu pedestal, lançado as bases para um novo
culto, presidido por uma nova divindade. Onde há esse tipo de religiosidade idolátrica,
as pessoas não são livres. Projetam seus desejos de absoluto em outras pessoas
falíveis e frágeis, que perdem o papel positivo que poderiam exercer enquanto
mediadores para se converterem em absolutos incontestáveis”
Termos, por exemplo, como Comunismo, Socialismo, Democracia etc...,
como complexos psicológicos autônomos, assumem configurações de divindades
sádicas eclipsando e obstruindo o sadio pensar. Na linha do pensamento de
Pascal podemos dizer que, quando a razão vai embora os monstros fazem a festa. E não se trata de defender o PT (PC do B,
PSOL,PSTU etc...) como um APOLOGETA DA ESQUERDA. Meu intuito fundamental é
chamar a atenção para um fenômeno triste e perigoso que ganha vulto na
ambiência católica no contexto eleitoral do segundo turno no Rio. Uma coisa é a
defesa sadia da fé, uma outra, totalmente diferente, é servir-se dos conteúdos
da fé e da posição eclesial para
distribuir compulsoriamente maldiçoes –
ANÁTEMAS À LA CARTE. A propósito, na historia das primeiras comunidades cristãs
também lideres afoitos e ciosos em defender a “pureza” da fé de forma radical e
arbitrária causaram, por vezes, mais caos do que serenidade para o julgamento e
consciência amadurecida para se decidir segundo o Evangelho. Na linha do
dialogo e do engajamento positivo entre Fé e Política, católicos que se colocam
no lado da ESQUERDA não tem o direito (em nome da fé) de demonizar, sem mais, a
DIREITA; e o contrario é verdadeiro na mesma medida. E vale dizer acerca da tão
satanizada ESQUERDA que nos mais diversificados processos de libertação de
colonialismos, escravismos e regimes ditatoriais o papel da ESQUERDA (e a
historia nos mostra isso, inclusive no BRASIL) foi (e é) tão importante e vital
como são as operações do lado esquerdo do cérebro de cada humana criatura.
Sabiamente disse Dom Helder: “Não se espantem se me virem do lado de gente da
direita e da esquerda”. Espantoso seria ver Dom Helder traindo a Deus e a luta
da libertação dos pobres... Dom Helder, de modo, original e profético, não
separou o amor ao “Pai nosso” do compromisso com “Pão nosso”! Atesta Leonardo
Boff em Brasa sob cinzas (1996:80):
“Não devemos jamais separar o que Deus uniu: o pão nosso e o Pai nosso”. Para
Dom Helder a afirmação, a partir da fé, de que o “homem não vive somente de
pão”, seguiu, inevitavelmente, ligada à consciência histórica de que esse mesmo
homem não vive somente da Palavra de Deus. Não gratuitamente Helder ouviu da boca do então Papa João Paulo II uma das mais belas e justas
declarações, infelizmente, não comum de
serem ditas às figuras do episcopado: “Irmão dos pobres e meu irmão”! Nenhum Partido ou segmento político, por
melhores que sejam seus princípios ou bandeiras, carrega consigo todos os
elementos para se “salvar a Pátria”, tampouco para realização integral do ser
humano. Por mais que todas as necessidades humanas fossem supridas, ainda
assim restaria no coração sedento de cada pessoa o grito pela Transcendência,
que nós cristãos nomeamos: DEUS – obscuro
objeto do desejo! Já Santo Agostinho confessara: “Fizeste-nos para Ti e
nossa alma fica inquieta enquanto não repousar em Ti. Papa Francisco escreve nas
primeiras linhas da Constituição Apostólica sobre a vida contemplativa
feminina (Vultum Dei Quaerere): “A BUSCA DO ROSTO DE DEUS permeia a
historia da humanidade, desde sempre chamada a um dialogo de amor com o
criador””. Exemplarmente, o AMOR (e não o
partidarismo) foi a sarça ardente que
alimentou a vida de Dom Helder Câmara:
Amor ao Deus dos Pobres e aos Pobres de Deus! Contudo, tal sublime AMOR
não isentou o “bispo vermelho” de fazer
opções concretas e corajosas no curso
sempre cambiante da história...
São oportunas e dignas de
menção em nossa reflexão a constatação perspicaz do teólogo Mario de França
Miranda em Aparecida (2006:58): “O discurso ético das autoridades
eclesiásticas, o qual é sempre atento e presente quando se trata de questões da
vida e da sexualidade. Deveria também se fazer ouvir com igual intensidade na
área social, pois também aqui está em jogo a vida humana. Não podemos deixar de
registrar certo declínio na proclamação da doutrina social da Igreja e na
correspondente luta pela justiça nos últimos anos”.
O Documento 67 da CNBB que versa sobre as
eleições se exprime no n.35: “Ao assumir
compromissos políticos, a Igreja Católica o faz a partir do imperativo ético da
defesa da vida, em cada momento de seu desenvolvimento terreno. Este é o
critério máximo de julgamento de qualquer sistema político, dos modelos
econômicos e das soluções técnicas. Esse imperativo ético se concretiza, em
cada momento e lugar, em metas políticas. Diante da atual realidade brasileira,
três grandes metas ganham prioridade: a erradicação da fome; o efetivo respeito
dos direitos humanos para todos; o desenvolvimento sustentável, que garanta
qualidade de vida à população e respeite a ecologia”.
E afirma profética e engajadamente o
papa Francisco falando sobre a participação dos cristãos na política. Suas
lúcidas palavras são oportunas no contexto do segundo turno das eleições: “Envolver-se na política é uma obrigação
para um cristão. Nós, os cristãos, não podemos fazer como Pilatos e lavar as mãos,
não podemos! Temos de nos meter na política, porque a política é uma das formas
mais alta de caridade!”
No contexto do segundo turno das eleições para prefeito do
município do Rio de Janeiro, se me perguntarem à queima roupa: Marcelo Freixo
ou Marcelo Crivella? Respondo, neste escrito, repetindo as palavras de Jesus
que não menosprezou a capacidade de raciocínio de ninguém, mas, antes, incentivou
a reflexão e o poder da livre e consciente decisão em face das questões
concretas da vida. Disse, certa vez, O APOLOGETA DA VIDA E DA PAZ, Jesus Cristo
(Lucas:12, 54-56): “Quando vocês vêem uma nuvem se levantando no ocidente, logo
dizem: ‘Vai chover’, e assim acontece. E quando sopra o vento sul, vocês dizem:
‘Vai fazer calor’, e assim ocorre. Hipócritas! Vocês sabem interpretar o
aspecto da terra e do céu. Como não sabem interpretar o tempo presente?
Nas palavras do teólogo
Mario de França Miranda em Aparecida
(2006:57), “faz-se mister novo aprendizado por parte de todos: membros da
hierarquia e fiéis. Todos estão acostumados à oferta de solução pronta,
definitiva, sejam autoridades ou fiéis"..
A propósito, disse o Papa na Capela de Santa Marta que a Igreja não pode assumir o papel de babá
dos cristãos. E reconhece Mario França Miranda (2006:65):“Falta à Igreja um
espaço para um debate sério e respeitoso entre os leigos sobre temas por vezes
bem complexos da vida social, obrigando a hierarquia a contínuas intervenções e
acostumando os católicos a esperarem sempre pronunciamentos imediatos por parte
das autoridades eclesiástica”. Desse modo, o clericalismo
triunfalista se retroalimenta da passividade serviçal e acrítica de um laicato
com limitada formação e minguado protagonismo. E tal laicato atrofiado na
capacidade de Ver, Julgar e Agir poderá estar condenado a sobreviver à mercê de
uma multidão de videntes míopes, anjos do anátema, trombetas do armagedom,
roletas da arca de Noé, arquitetos de uma cidade idílica, - urubus
devoradores-compulsivos de carniça que só existem em suas apodrecidas mentes, “radicais
do pouco” (na feliz e oportuna expressão de Alberto Caeiro), aves do mau agouro
- tristes e beligerantes profetas de falas absolutas e incontestáveis...
Diz, desconcertadamente,
o Papa Francisco na contramão de uma Igreja triunfalista e ciosa das mundanas
seguranças: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído
pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se
agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o
centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos”.
São, nessa direção, atualíssimas
as advertências proféticas e desafiadoras do “bispo vermelho”, Dom Hélder
Câmara: “As massas deste continente abrirão um
dia os olhos, conosco, sem nós ou contra nós… Ai do cristianismo no dia em que
as massas tiverem a impressão de terem sido abandonadas pela Igreja, tornada
cúmplice dos ricos e dos poderosos.
Do lado oposto de uma
Igreja afeita à discórdia com o mundo e à distribuição indiscriminada de
anátemas, sinaliza o Papa Francisco: “Não há sentença válida sem esperança”. Desse modo, a mensagem sobre o pecado e o
inferno não pode tomar o lugar do Evangelho da Misericórdia, da Alegria, da Esperança,
do Dialogo, do Respeito, da Concórdia e da Paz! E enfatiza ainda o Papa
Francisco: “Não há necessidade de consultar um psicólogo para saber que quando
você denigre o outro é porque você mesmo não consegue crescer e precisa que o
outro seja rebaixado para você se sentir alguém”. Salienta Boff em Meditação da Luz: o caminho da simplicidade (2010:18-19): “A grande patologia
presente em setores importantes das religiões e das igrejas é a
autofinalização, ou seja, consideram-se fins em si mesmas, quando são meios e
espaços a serviço da vida interior(...). Elas podem significar uma grande
escravização que se revela pelo fundamentalismo e pelo terrorismo de base
religiosa”. Considerando um novo tipo de clero distanciado do espírito do
Concilio Vaticano II e afeito a uma apologia “mágico-fundamentalista” são oportunas,
atuais e proféticas as visões do teólogo
João Batista Libanio em Cenários da Igreja (1999:30-31): “Configurar-se-á
o retorno do clericalismo. Surgirá uma geração que não conheceu as agitações
renovadoras dos anos pós-conciliares nem os ardores da teologia da libertação
das décadas de 70. Ela está sendo formada na instituição-padrão do
seminário, como observa L. R. Benedetti.
Este clero acentuará ‘os sinais distintivos de sua condição – festas, vestes,
poderes -, ausência de inquietação com relação ao destino da sociedade (e da
Igreja), pouco amor (nenhum?) aos estudos, nenhuma paixão pelo ecumenismo, pela
justiça social. Presbíteros mais preocupados com seu caráter e poder sagrados
que com uma presença significativa no mundo, com o diálogo com a sociedade, com
serviço competente ao homem de hoje”.
E escreve ainda: “Os termos ‘tradicional’ e ‘arcaico’ não servirão
para designar o clero nesse cenário. Ao adotar costumes antigos e tradicionais,
ele o fará com perspectiva bem diferente. Já não será o sacerdote piedoso,
trajando batina surrada, das cidades do interior. Será um clero que cuidará dos
pormenores de sua túnica, que usará a alta tecnologia de som em seus sermões,
que recorrerá aos recursos teatrais e musicais sofisticado. Repetir-se-ão cenas
que hoje se vêem de sacerdotes de ‘batina prateada’. Desse cenário futuro, vale
o que sociólogo de Campinas afirma a respeito da ‘sacralização pós-moderna’,
que consiste ‘numa combinação de um discurso mágico-fundamentalista (apologético)
com os recursos mercadológicos da comunicação de massa’”.
Podemos, pois, concluir dizendo que a necessária e salutar DEFESA
DO PATROMONIO RELIGIOSO pode também tornar-se sinistra justificativa para a
DESTRUICÃO FISICA, PSICOLÓGICA OU MORAL DO DIFERENTE. E desse modo, os supostos defensores da fé (sem esperança
e sem amor), podem tornar-se, amiúde, arbitrária e inescrupulosamente,
TERRORISTAS DO SAGRADO - APOLOGETAS DO TERROR!
*******
Ps.
Sobre Apologia: Apologia, filha dileta de Sã
doutrina, em idade avançada, deu a luz a dois filhos: modéstia e Respeito. Não
tardou pra gerar também Fanatismo e Guerra, gestados no mesmo cólon.
Apologia, pobre Apologia, sofre da dor comum a muitas mães: perceber o
avançar da idade e a triste sina de, em nenhum dia sequer, ter visto seus
quatro filhos sentados à mesma mesa... Apologia, douta senhora, tem quatro companhias
inseparáveis: Saudade, Verdade, Desgosto e Humildade. Com Saudade ela dorme,
com Verdade sonha, com Desejo acorda e com Humildade vive (buscando,
buscando, buscando...)
Ps.
Dedico essa breve reflexão aos OLHOS
do padre e profeta João Cribbin (Patrono-Ancestre do Núcleo Fé e Política; não
pelo azulado de inesquecível beleza feito o manto de Mariama, mas porque não
houve um único dia que o tenha encontrado que não tenha visto em seus
subversivos olhos: SONHO, REALISMO E
RESPONSABILIDADE PARA COM A LIBERTAÇAO E FECICIDADE DOS POBRES!
Referencias
bibliográficas
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Garamond, 2004.
BOFF, Leonardo, Meditação da luz, 2 ed. Petrópolis, RJ; Vozes, 2010.
_____________, Brasas sob cinzas,
Rio de Janeiro, Record, 1996.
BOFF, Clodovis, Uma Igreja para o
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Dom Pedro Casaldáliga, Nossa espiritualidade, São Paulo,
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KASPER, Walter, A Misericórdia:
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LIBANIO, João Batista, Cenários da Igreja, são Paulo, Loyola,
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Papa Bento XVI, Luz do mundo, São Paulo; Paulinas, 2011.
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São Paulo; Planeta do Brasil, 2016.
______________,
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feminina, São Paulo, Paulinas, 2016.
PASSOS, João Décio, As reformas na
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e Figueira (Orgs), Uma Igreja de portas
abertas, São Paulo, Paulinas, 2016.